Quem foi Policarpo Quaresma personagem de Lima Barreto: um louco, um herói ou apenas um patriota ufanista?
Lima Barreto, assim como outros literatos do seu tempo, utilizou-se da prosa literária para direcionar duras críticas aos costumes, preconceitos, cultura política e comportamentos da sociedade brasileira da sua época.
O protagonista da obra Triste Fim de Policarpo Quaresma, que tinha o nome como título do livro, era um ex-subsecretário do Arsenal de Guerra, também condecorado por Major.
Policarpo era um homem que tinha desde a sua juventude um apreço quase incondicional pelo Brasil, era, então, um patriótico ufanista que defendia com veemência a sua nação e nacionalidade.
Não tinha desejos egoísticos de envolvimento político, mas vislumbrava e almejava viver num mundo melhor, mais justo e igualitário, para isso defendia reformas políticas, econômicas, sociais e culturais no âmbito da estrutura da nação. Desejava o bem comum, o progresso e o desenvolvimento sustentável do país.
Suas condutas diferentes eram motivos de pilhéria e zombaria pelos colegas de trabalho e vizinhos. Era incompreendido até mesmo por alguns familiares que consideravam suas ideias nacionalistas esquisitas e exageradas.
Até então aparentava ser um cidadão, aos olhos da sociedade, honesto, respeitável, porém ao perceberem seus comportamentos estranhos passaram a considerá-lo um louco, um estranho abobalhado.
Tinha em sua casa uma enorme biblioteca com livros de gêneros variados sobre a formação sócio-histórica, política, cultural e econômica do Brasil.
Lia muito sobre a história, a cultura, a geografia e outros aspectos do território e da sociedade brasileira. Muitos consideravam um exagero descabido. Para que um homem simples viver estudando “coisas desnecessárias”? Pensavam preconceituosamente alguns.
Seu amor imensurável pela pátria o influenciou a estudar e a aprender sobre modinhas e cantigas genuinamente brasileiras, assim também como a arte de tocar violão, um instrumento, considerado por ele, representante central da expressão artística nacional. Com isso despertou ainda mais a curiosidade mesquinha e vergonhosa dos vizinhos. Estes acreditavam ser uma prática sem status e legitimidade para um homem que aparentemente inspirava tanto respeito e consideração.
O auge do seu ufanismo exacerbado culminou quando enviou para o Congresso Nacional um encaminhamento solicitando dos representantes políticos e governamentais do país que a língua oficial da pátria fosse o Tupi-Guarani, haja vista que seria uma atitude de homenagem e reconhecimento cultural dos seus primeiros habitantes, os indígenas.
Foi lamentavelmente humilhado por todos e passou a ser ainda mais alvo de ironias, desdém e deboche coletivo. Todos pensaram ser a sua atitude um absurdo, uma loucura risível e digna de desprezo. Ninguém o compreendia. Até mesmo a sua irmã Adelaide não entendia as suas manias exageradas.
Quaresma foi forçadamente internado num hospício para se tratar das suas ideias e atitudes entendidas como loucura, insanidade. Ficou estarrecido e horrorizado com a situação deplorável dos pacientes internados que lhe faziam companhia. Não conversava muito. Era introvertido e de poucas palavras. Quase não recebia visitas.
Quando saiu do manicômio foi morar em um sítio chamado “Sossego”, no entanto, com o tempo notou que a região não condizia e não fazia jus ao seu nome. Afinal, não gostava de se envolver em assuntos políticos, e, por isso, adquiriu poderosos inimigos que disputavam a preferência política dos habitantes da redondeza, ou seja, passou a ser alvo de vinganças daqueles que não receberam o seu apoio.
Esta realidade mesquinha, nefasta e repudiável ainda prevalece nas relações sociais e, sobretudo, políticas da sociedade brasileira. A governança ditatorial, o coronelismo, o “voto do cabresto” e outras práticas políticas violadoras dos direitos humanos, principalmente dos direitos políticos, fizeram parte e ainda deixaram resquícios da sua existência na cultura política do Brasil.
Com esta obra Lima Barreto denunciou, criticou e ironizou tal cultura política, marcada por interesses escusos e individualistas, por práticas clientelistas e patrimonialistas que favorecem uns poucos em detrimento da exploração e submissão de muitos.
Seus projetos pessoais e societários foram abalados e postos em xeque. Desde que se mudara com a irmã, sonhava ainda com o progresso do país.
Decidira cultivar plantações nacionalmente reconhecidas, a fim de provar as potencialidades das terras brasileiras, consideradas por ele como as mais prósperas e férteis do mundo.
Frustrou-se profundamente quando todo o seu trabalho fora destruído em questão de dias por formigas pestilentas e devastadoras.
Além do mais, não obteve retornos financeiros satisfatórios e recompensadores como imaginara. Pagava altos impostos cobrados, injustamente e por vingança, pelos seus inimigos políticos. Não recebia apoio nem incentivo algum.
Sua última atitude que expressava o seu patriotismo custou-lhe muito caro, aliás, a própria vida. Abandonou o sítio e alistara-se no exército do governo de Floriano Peixoto para ajudar a combater a Revolta Armada e defender com fervor e orgulho a pátria dos marinheiros revoltosos.
No entanto, mais uma vez se decepcionara frustrantemente ao perceber a violência e brutalidade como que eram tratados os presos políticos lideres, sobretudo, do movimento.
Ficara mais uma vez atônito e expressara sua perplexidade em uma carta enviada a irmã, na qual deixava claro a sua tristeza, decepção e desilusão com os seus pensamentos e ações nacionalistas. O que recebeu em troca do seu amor pela pátria? Simplesmente nada. Aliás, fora sempre repreendido e incompreendido, principalmente por aqueles que, ingenuamente, menos esperava, os governistas.
Enviara uma carta a Floriano denunciando os fatos ocorridos e fora duramente punido. Foi tachado de traidor da pátria, algo que jamais cometera, ao contrário, sempre a idolatrou.
Fora condenado a pena de morte por supostamente rebelar-se contra o governo, questionar as “inquestionáveis” decisões superiores. Não teve direito de resposta e defesa. Fora mais uma vez injustiçado por aqueles por quem tinha grande apreço e admiração. Fora, inclusive e principalmente, desprezado e traído pelos que se dizima serem seus amigos.
O único que tentou defendê-lo foi o seu amigo e professor de aulas de violão, Ricardo, que recebera o apoio também da afilhada de Policarpo, a Olga. Suas tentativas de salvá-lo desta injustiça foram todas em vão. Não mais podiam fazer nada, já que todos que procuraram o desprezaram e o ignoraram.
Quaresma morreu, provavelmente, como um herói, um mártir injuriado e traído. Tanto que defendeu sua pátria e seu povo e estes o abandonaram quando ele mais deles precisara, aliás, o condenaram.
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