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Imagem ilustrativa do Ateneu |
Em “O Ateneu”, Raul Pompéia
faz duras e contundentes críticas irônicas, direta e indiretamente, através do
uso constante de metáforas e outras figuras de linguagem - que imprimem a obra
um caráter hiperbólico -, ao modelo educacional do Brasil nas últimas décadas
do século XIX, mais especificamente aos métodos de ensino- aprendizagem dos
colégios internos – representados em O Ateneu, no Rio de Janeiro -; às suas formas
de disciplinamento institucional e aos tipos de castigos e punições aplicados
aos alunos “arruaceiros”, indisciplinados ou desordeiros; à forma de tratamento
discriminado e distinto dos alunos e seus familiares pelo diretor do colégio –
o Aristarco -, conforme seu status e condição socioeconômica perante a
sociedade.
Pompeia, através do personagem
Sérgio -, critica, sobretudo, o comportamento perverso de alguns alunos,
caracterizados ironicamente como pervertidos, dissimulados, cínicos, falsos,
sarcásticos, zombeteiros e preconceituosos, o que denota uma análise e
impressão subjetiva do autor – baseado em suas memórias e experiências pessoais
enquanto interno do Colégio Abílio, no Rio de Janeiro, aos onze anos de idade,
assim como o personagem-narrador Sérgio, que fora internado pelo pai no Ateneu
com a mesma idade, o que muitos acreditam ser o personagem o Alter ego do autor,
uma forma de expressar sua personalidade, valores e sentimentos ocultos na pele
do personagem – sobre as características mais sombrias e animalescas do ser
humano, expressando seu lado mais cruel e insensível.
Aristarco, o diretor do
Ateneu, é descrito como um Deus dotado de autoritarismo e orgulho: "Acima de Aristarco – Deus!
Deus tão somente: abaixo de Deus – Aristarco". É caracterizado como cruel, dissimulado,
sarcástico, vaidoso e insensível. Sua dissimulação é percebida na seguinte
descrição quando Sérgio tem o primeiro contato com ele: “O diretor recebeu-nos em sua residência, com
manifestações ultra de afeto. Fez-se cativante, paternal; abriu-nos amostras
dos melhores padrões do seu espírito, evidenciou as faturas do seu coração”. No entanto, é movido pelo egoísmo e pelos desejos
de acumulação de riquezas sobrepondo a necessidade de lucrar acima da qualidade
do ensino e das necessidades pedagógico-didáticas de aprendizagem saudável e
frutífera, haja vista que o modelo de ensino por ele empregado na sua
instituição mais deformava a condição de cidadãos, seres humanos sensíveis e
críticos dos alunos do que os formava para, social e politicamente, conviver em
sociedade, exercendo sua cidadania e democracia e os seus sentimentos de
sublimidade, companheirismo, educação e respeito ao próximo. Antes de iniciarem
as aulas reformava cuidadosamente o colégio o pintando e concertando partes
desgastas pelo tempo, a fim de legitimar sua imagem social como colégio modelo
da cidade, mais importante e de melhor qualidade educacional, o expondo como
mercadoria suprema exposta às vitrinas do mercado de consumo, como se pode
perceber na análise de Sérgio: “O Ateneu... afamado por um sistema de
nutrida réclame, mantido por um diretor que de tempos em
tempos reformava o estabelecimento, pintando-o jeitosamente, como os
negociantes que liquidam para recomeçar com artigos da última remessa...”
O Ateneu é visto pelas impressões iludidas de
Sérgio, inicialmente como um paraíso, um lugar harmonioso, suntuoso e
imponente, já que o visitou duas vezes antes de ser internado em períodos de
grandes festas e solenidades em que se faziam presentes grandes e importantes
autoridades políticas do Império, como a Princesa Regente. Porém, com o tempo
percebe que é um microcosmo que reflete a organização, os valores, costumes e
comportamentos dos sujeitos sociais da sociabilidade vigente na época: “Não é o
internato que faz a sociedade, o internato a reflete. A corrupção que ali viceja
vem de fora”.
Sendo assim a corrupção, o furto, o egoísmo, o
assédio moral e sexual, a humilhação pública vexatória e constrangedora, a
individualidade exacerbada, a competição desigual e predatória entre os alunos,
a relação de dominação/exploração e dominados/explorados, sobretudo sexual, são
valores e práticas comuns no internato, reflexos da vida em sociedade, que,
inicialmente causam medo e perplexidade a Sérgio, contudo, ao passar dos meses,
aos poucos vai se adaptando e se fortalecendo nas relações e práticas reinantes
que o cercam e o envolvem.
Sérgio faz algumas amizades que, porém, não
frutificam e nem permanecem solidamente, pois os que ele pensava serem seus
amigos na verdade eram traidores dissimulados que só queriam se beneficiar
oferecendo proteção aos tidos como mais fracos e frágeis em troca de favores
sexuais. Rebelo, um aluno exemplar, inteligente e educado, já havia lhe
alertado sobre o comportamento e o caráter dos alunos aconselhando-lhe a se
fazer forte como um homem não admitindo protetores, já que estes pervertiam e
abusavam dos fracos, subalternos e indefesos, como ele que só tinha onze anos e
ainda era uma criança ingênua, sensível e indefesa. Disse ele a Sérgio,
referindo-se aos colegas internos, que ficou horrorizado e perplexo com a
descrição do amigo: “Uma corja! Não imagina, meu caro Sérgio.
Conte como uma desgraça ter de viver com esta gente.” E esbeiçou um lábio
sarcástico para os rapazes que passavam. “Ai vão as carinhas sonsas, generosa
mocidade... Uns perversos! Têm mais pecados na consciência que um confessor no
ouvido; uma mentira em cada dente, um vicio em cada polegada de pele. Fiem-se
neles. São servis, traidores, brutais, adulões. Vão juntos. Pensa-se que são
amigos... Sócios de bandalheira! Fuja deles, fuja deles. Cheiram a corrupção,
empestam de longe. Corja de hipócritas! Imorais! Cada dia de vida tem-lhes
vergonha da véspera. Mas você é criança; não digo tudo o que vale a generosa
mocidade. Com eles mesmos há de aprender o que são...”
Além do mais, aconselhava-lhe alertando-o sobre os perigos das amizades
traiçoeiras: “Olhe; um conselho; faça-se forte aqui,
faça-se homem. Os fracos perdem-se. “Isto é uma multidão; é preciso força de
cotovelos para romper. Não sou criança, nem idiota; vivo só e vejo de longe;
mas vejo. Não pode imaginar. Os gênios fazem aqui dois sexos, como se fosse uma
escola mista. Os rapazes tímidos, ingênuos, sem sangue, são brandamente
impelidos para o sexo da fraqueza; são dominados, festejados, pervertidos como
meninas ao desamparo. Quando, em segredo dos pais, pensam que o colégio é a
melhor das vidas, com o acolhimento dos mais velhos, entre brejeiro e afetuoso,
estão perdidos... Faça-se homem, meu amigo! Comece por não admitir
protetores.”
Talvez a ideia de escrever O Ateneu tenha
sido uma forma indireta de Pompeia se vingar dos colegas, do diretor e do
modelo educacional de sua época criticando, por meio da narração das
características dos personagens, do internato e das relações nele
estabelecidas, as possíveis e prováveis situações humilhantes, constrangedoras
e sofríveis psicologicamente que vivenciara em sua infância durante sua vida
estudantil enquanto interno. Estas situações e características ainda são mais
comuns do que o que se imaginam no contexto educacional atual do Brasil. Nas
instituições de ensino, sobretudo, imperam ainda, infelizmente, práticas
preconceituosas, discriminadoras, excludentes, humilhantes e depreciativas, que
causam traumas e transtornos, muitas vezes, irreversíveis na vida pessoal e
profissional das vítimas, como baixa auto-estima, timidez descomunal, baixo
rendimento e evasão escolar, complexo de inferioridade e, em casos mais
extremos, culminam com a prática do suicídio.
No final O Ateneu é incendiado por um aluno
que não suportou as pressões, a punições e castigos da instituição – o Américo
-, assim como muitos que literalmente sucumbiram as punições degradantes, a
exemplo de Franco que era o bode expiatório das ações de Aristarco que o usava
para amedrontar os demais servindo-o como cobaia da sua cólera e interesses. O
infeliz morreu na cafua, um quarto escuro, sombrio e solitário acompanhado por
ratos, talvez de desgosto, raiva e solidão. Pompeia descarrega na obra, de
forma literária e poética, sua vontade contida e oculta de destruir este
sistema cruel de relações desiguais que inferiorizam uns em detrimento da
supervalorização de outros, como no espaço de educação institucional do Ateneu
em que os alunos que tiravam notas baixas e se comportavam inadequadamente,
desobedecendo as normas e regras autoritárias do estabelecimento, eram punidos
e humilhados publicamente para que todos vissem como não deveriam se comportar.
Autor: Marcondes Torres.
Um comentário :
Contou o final do livro, que tipo de resenha é essa que estraga a expectativa do leitor, delete esse blog, ou pare com spoiler, que non-sense contar o final do livro, chega a ser hilário kkkkk
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